Wednesday, July 14, 2010

Quem vê cara não vê coração, mas quem vê documento vê tudo! (Risos)

Explico! Estava lembrando de uma viagem que fiz da Itália a França de trem, é engraçado o que escrevi acima, mas é verdade, mas engraçado mesmo é o preconceito humano, engraçado e estúpido!
Você olha uma pessoa, o que você vê? Eu me permito dizer que você não vê nada, mas vê o que quer enxergar!
Bom, voltando a viagem, lá estava eu e mais um amigo que conheci em Verona na Itália, após um ano de sofrimento e aprendizado, sim, até uns tempos atrás não conseguia enxergar dessa forma, mas (aprendizado), digo sofrimento e aprendizado porque foi um ano de muita luta e expectativa, resumidamente, eu passei um ano inteiro nessa cidade linda chamada Verona como um (ilegal), e ilegal na Itália é um ser digamos, inexistente, um fantasma, você não existe, então não tem direito a nada, lembro quando saía de agência a agência procurando trabalho, com meu Italiano arranhado, mas corajoso, não ouvia resposta, mas sim uma pergunta, que futuramente acabei me acostumando, a pergunta era: Você tem documento? Traduzindo, seria algo do tipo: Você existe? Eu dizia – Estou esperando minha cidadania, então como um tapa, eu mal terminará a frase e já ouvia um Scusa-te ou Scusi estrondoso, sem trabalho, sem dinheiro, sem apartamento, sem comida, sem nada, qualquer um ficaria desesperado nessa situação, e sim, eu também fiquei, eu chegava de madrugada antes de iniciar o dia para ficar em frente á comuni (prefeitura) onde são feitos os processos de cidadania, ficava lá esperando até as 09:30 da manhã, horário de abertura da comuni, acontece que a Brasileirada ia se acumulando em frente a porta ao invés de fazer fila, e pior, na hora que abriam as portas, não respeitavam quem havia chego primeiro e saiam correndo escada acima até o terceiro andar, aquelas senhoras mal educadas que trabalhavam no setor de imigrantes, atendiam apenas um numero pequeno de pessoas por dia, então nessa situação ou você era educado e caminhava, mas não seria atendido nunca, afinal a boiada saía disparadamente todos os dias as 09:30 ou você tomava seu lugar e saía chifrando também, e eu nunca esqueço certo dia, estava com fome, cansado de repetir essa cena e as vezes não conseguir nem mesmo ser atendido, bem, nesse dia, nós os bois brasileiros, saímos disparados, e chegando lá em cima a Italiana disse – Hoje vamos distribuir apenas algumas senhas de atendimento, o (resto) terá que voltar outro dia, e concluiu, olha pra vocês, parecem uns animais subindo aqui desse jeito!
Imagine você nessa situação, ser atendido ali, poderia significar meses de adiantamento no processo, e outra você precisava de trabalho, enfim, dos documentos italianos!
Essa frase bateu forte, e talvez aquela Italiana nunca saiba o quanto, para todos que estavam lá naquele dia.
Eu tremia nessa hora de desespero, de raiva e de ter que ficar quieto, afinal pra ela pegar a pasta do meu processo e colocar em baixo de muitos outros que estava atrás de mim não custava nada, aquele lugar era uma bagunça mesmo.
Resumindo, todos os dias eram a mesma coisa, e foram 11 meses até pegar a tão sonhada cidadania Italiana, fazer o passaporte Italiano etc.
Foi um ano de luta, acordando 4:30, 5:00 da madruga, subindo a montanha no inverno extremo e no verão de 40 graus, pra carregar pedra, descarregar caminhão de cimento, carregar lata de concreto nas costas, junto com tantos outros brasileiros sem documentos, comendo marmita fria no meio da sujeira da obra e outros comendo bolacha ou pão por estarem numa situação pior. Não me envergonho de dizer que não conto isso a ninguém por não conseguir conter a emoção, vi muitos desistirem no meio do caminho, eu tive tudo pra desistir, mas continuei e só saí dali com meus documentos Italianos e como um cidadão Italiano que sempre fui desde que nasci, pois a lei Italiana diz que aquele que tem sangue Italiano é um Italiano nascido no estrangeiro, pena é não ser tratado assim quando chegamos até lá! Mas tudo bem, agora enxergo o quanto aprendi, não consigo nem sentir raiva daquelas senhoras Italianas da comuni, olha como a gente cresce!
Bom, vou resumir a viagem agora porque já escrevi de mais, e quase perdi a idéia básica do texto, que era a viagem.
Mas foi bom escrever sobre isso, quando me emociono com as coisas que fiz e que vivi, tenho mais certeza que valeram a pena!
E agora dá pra entender melhor a importância dos documentos Italianos nessa história.
Embarcamos no trem, cabine extremamente apertada, eu carregava duas malas cheias e pesadas, uma mochila, meu amigo, uma mala que dava quase as duas minhas, explodindo de cheia, mais uma mochila, a mala dele era muito, mas muito grande mesmo, tinha um buraco do lado, ele dizia que era um rasgo, que estava velha, eu ainda acho que ele levava o cachorro dele ali dentro e o buraco era pro coitadinho respirar.
Eram três camas de um lado e três de outro, muito pouco espaço entre elas, como beliche apertadas, você tinha que pular com o corpo praticamente na horizontal pra se encaixar naquelas camas da cabine.
As malas não cabiam dentro da cabine, era muita coisa, estávamos de mudança, deixando a Itália, o que tínhamos estava ali naquelas malas, ai entra o fiscal de cabine, olha, e começa a nos dar uma bronca por causa das malas, tínhamos espalhado as malas pelas camas que estavam vazias, afinal não tinha lugar, nem para dormir com as malas, Ele disse: - Essas malas não podem ficar ai, quando voltar para conferir os documentos e bilhetes de viagem não quero vê-las mais ai.
Na boa ou era assim, ou colocaríamos as malas no corredor fora da cabine e revezaríamos em turnos pra cuidar das malas.
Na cama de baixo a do meu amigo, tinha um japonês de uns 20 anos, viajando só com uma mochila, ele só fechou os olhos virou pro lado e deve ter pensado: se deram mal!
Ai volta o fiscal, pede os documentos, eis a parte interessante, pega o passaporte do Japinha, ai meu amigo saca o passaporte Italiano, lembrando que o fiscal era Italiano, vendo o passaporte Italiano ele mudou até sua expressão facial, eu fiz melhor saquei minha identidade Italiana, na qual consta, cor da pele, olhos, altura e escrito em letra maiúscula Cidadania: ITALIANA.
Após ver os documentos, ele o fiscal, sorriu, o ar carrancudo sumiu, não só ignorou as malas, como nos trouxe travesseiros limpos, cobertas e duas garrafas de água mineral.
Fomos a viagem inteira rezando para que não embarcasse ninguém naquela cabine, eu não dormi a viagem toda, parecia que o trem ia descarrilar, parecia estar muito rápido, todas as vezes que passava nas junções dos trilhos pra mudar de direção os vagões davam uns pulos, após viajar a noite inteira, chegamos a Paris, me apaixonei, mas ai já é outra história que qualquer dia desses eu escrevo aqui, passamos dias lá, visitamos acho que todos, se não todos os mais importantes museus, monumentos, as mais cobiçadas e famosas obras, foi espetacular!
Mas voltando ao (gentil) fiscal, somos todos Italianos non’é caro mio?.
E há uma sútra que diz assim: E ao oitavo dia, Deus, destruiu o Homem!

André Sant.